Matéria de O Globo
BRASÍLIA – Diante do desafio de atrair investidores para os projetos de infraestrutura, o governo interino vai alterar as regras dos contratos já vigentes no setor de rodovias em razão dos efeitos da crise econômica no caixa das empresas e de problemas na modelagem das concessões. Estão no grupo seis rodovias federais, concedidas na terceira rodada de privatização do setor, a partir de 2013, pela presidente afastada, Dilma Rousseff, que poderão ter o prazo para a realização de obras alongado. São elas BR-040 (DF-GO-MG), que liga Brasília a Juiz de Fora; BR-101 (BA-ES); BR-163 (MT e MS), vias importantes para o escoamento da produção de grãos; BR-050 (MG-GO) e BR-060/153/262, que interliga Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais.
Os contratos têm validade entre 25 anos e 30 anos e determinam que as concessionárias dupliquem cerca de dois mil quilômetros das vias nos próximos quatro anos. Foram executados pouco mais de 10%, exigidos para o início da cobrança do pedágio. As empresas reclamam da redução do movimento nas estradas e da quebra do compromisso assumido pelos bancos públicos, sobretudo pelo BNDES, de financiar até 70% de todo o empreendimento.
Ainda não há definição para o problema, mas é consenso que, para mexer nos contratos vigentes, o governo precisará de amparo legal. Uma das possibilidades é aproveitar uma medida provisória, em elaboração, para justificar a renovação antecipadas das concessões de duas rodovias — Dutra e BR-040 — e incluir soluções para os contratos do passado. A ideia é dar condições para que os atuais concessionários das rodovias tenham como cumprir o contrato, com, por exemplo, um prazo maior para entregar as obras, diante de dificuldades na economia e que interfiram no negócio.
EFEITOS DA CRISE PARA AS EMPRESAS
Em entrevista ao GLOBO, o secretário do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), Moreira Franco, disse que os efeitos da recessão econômica e o formato dos contratos firmados na gestão da presidente afastada — baseados na modicidade tarifária e no uso exaustivo dos recursos do BNDES a juros subsidiados — impõem ao governo interino a busca de uma solução jurídica para alterar as regras contratuais vigentes. Segundo ele, o problema se repete em todas as áreas de infraestrutura. As concessionárias dos aeroportos querem rever as condições do pagamento das outorgas para ter alívio de caixa durante a fase de investimentos mais pesados.
— Temos consciência de que o país vive a mais profunda crise econômica da nossa história, e as consequências do ambiente de depressão se fazem presentes não só no dia a dia das pessoas, mas também afetam a vida das empresas e o próprio governo. Por isso, a necessidade de olhar o passado se impõe. Esses contratos foram construídos no comando da presidente Dilma, mas quem assina não é ela, não é o presidente Temer, quem assina é o governo brasileiro. Se nós queremos restabelecer a confiança no governo, é evidente que esse problema tem que ser avaliado — afirmou.
Entre outros problemas, ele destacou que os contratos autorizaram as empresas públicas a executar parte da obra com as concessionárias e que isso não foi cumprido, obrigando o sócio privado a assumir a responsabilidade. Outra crítica se refere à obrigatoriedade de duplicação das rodovias em prazo determinado, sem condicionar o investimento ao aumento do volume do tráfego na via.
Para evitar que os problemas se repitam, o governo já decidiu que, nas próximas concessões de rodovias, não haverá prazo fixo para duplicação das pistas, que ficará condicionada ao aumento do tráfego (gatilhos). No caso dos aeroportos, a ideia é diluir o peso da outorga ao longo do contrato, com prazo de carência durante os investimentos mais pesados. Os novos editais dos portos serão revistos para atrair os investidores, focando, principalmente, em questões relacionadas a custo e construção de vias de acesso, como é o caso das áreas do Porto de Belém. Na prática, os novos leilões de estradas, portos e aeroportos reduzem as exigências aos concessionários nos períodos de maior investimento.
DIFICULDADE PARA OBTER CRÉDITO
Moreira Franco disse que o governo trabalha para fechar o modelo das novas concessões, que deverão ser anunciadas ainda este ano. Segundo ele, as agências reguladoras terão papel técnico, e os ministros das respectivas áreas, papel político na definição das novas regras. Entre as mudanças, ele destacou o aumento do prazo entre a publicação dos editais e a realização do leilão, que subirá dos atuais 45 dias para cem dias, podendo chegar a um ano, na área de petróleo.
De acordo com o diretor da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR), Flávio Freitas, que apresentará o problema formalmente ao Ministério dos Transportes hoje, as concessionárias estão enfrentando dificuldades para obter empréstimo do BNDES e são obrigadas a colocar recursos do caixa, já apertado, para prosseguir com as obras.
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Ele lembrou que, em setembro de 2013, BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil divulgaram uma carta conjunta, em que se comprometeram a financiar 70% dos empreendimentos e que o percentual caiu para algo em torno de 45%. Ainda assim, mencionou, os bancos passaram a exigir que os tomadores comprovem que terão receitas para honrar o compromisso. Mas o movimento das estradas caiu em razão da crise na economia, acrescentou.
Freitas se queixou das dificuldades para obtenção de licença ambiental para obra de duplicação em trechos contínuos, mesmo se tratando de rodovias construídas há cerca de 40 anos, cujas faixas para duplicação já foram reservadas pelo governo federal. Segundo ele, os órgãos exigem estudos de flora e fauna, no caso da existência de um córrego, por exemplo, acarretando atraso e aumentando o custo. O setor privado também reclama da alta do insumo básico (asfalto) produzido pela Petrobras de mais de 80%, do início da concessão.
— Temos uma tempestade perfeita. Aumentar o valor do pedágio não está nos planos — disse Freitas, acrescentando que as concessionários querem ajuda do governo para não ter que paralisar as obras.
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