Depois de tragédia, alunos temem pegar estradas para estudar em Mogi

G1

Além dos alunos que viajavam diariamente pela Mogi-Bertioga para estudar nas universidades de Mogi das Cruzes, outros estudantes de cidades vizinhas também enfrentam horas dentro de ônibus fretados e intermunicipais para realizar o sonho de ter um diploma e uma carreira. Depois da tragédia que matou 18 alunos no último dia 9 na Rodovia Mogi-Bertioga, o sentimento de medo e angústia toma conta dos “universitários viajantes”.

Na rodovia onde houve o acidente, a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) informou que fiscalizou 1.001 veículos, autuou 108 e apreendeu 45 entre janeiro de 2015 e março 2016. Segundo a Polícia Rodoviária, a infração mais comum é a falta de cinto de segurança.

Nas proximidades da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e da Universidade Braz Cubas (UBC), é comum ver filas de ônibus fretados estacionados aguardando o término das aulas. O movimento de estudantes é tanto que a Estação da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e um terminal de ônibus que ficam próximo aos campus chamam-se “Estudantes”.

Segundo a UMC – universidade onde estudavam 16 das 18 vítimas fatais do acidente, 40% dos alunos matriculados no campus de Mogi moram em outras cidades. A UBC informou que não é preciso informar porque “a instituição observa que dados sobre residência são fornecidos durante o processo seletivo para ingresso na universidade, o que pode não refletir a realidade no decorrer do curso, uma vez que eles podem mudar de cidade.”

Rotina de fretado
A estudante Daniela Mariana dos Santos está no 3º semestre de enfermagem na UMC. Diariamente ela pega um ônibus fretado em Santa Isabel, onde mora, até Mogi. A viagem para percorrer cerca de 45 km dura aproximadamente 50 minutos. Apesar da distância ser pequena, ela diz que o acidente assustou os alunos. “O que mais nos preocupa são as estradas. Nós sabemos que o perigo existe, apesar de nunca termos problemas com o motorista, nem com as condições do ônibus.”

Apesar de não ver problemas no ônibus em que viajava, a estudante confessa que muitos alunos não usam o cinto de segurança durante a viagem. “Depois do acidente, quando retornamos a aula, eu vi só uma menina comentando da importância de usar o cinto e daí ela colocou. Mas a maioria vem sem cinto”, afirma.

Aline Regina Cardoso também vinha de Santa Isabel de fretado quando estudava marketing na UBC. Segundo ela, o motorista do ônibus que estava habituada a pegar já chegou até a disputar “racha” na Mogi-Dutra. “Nós estávamos voltando e ele começou a ir muito rápido, parecia que o ônibus estava voando. Um amigo meu foi perguntar ao motorista o que tinha acontecido e na hora ele não falou nada. Quando nós chegamos, eu perguntei de novo para ele o que tinha acontecido e ele me disse que um outro motorista tinha chamado ele ‘na seta’ para disputarem o racha.”

Além da imprudência do excesso de velocidade, Aline diz que “era difícil o dia em que o ônibus não quebrava”. “Sempre nós tínhamos que descer e trocar de ônibus até chegar em casa. Muitas vezes eu já cheguei atrasada na faculdade esperando vir o carro reserva. Isso sem contar que alguns ônibus não tinha cinto de segurança”, detalha.

Kauê Cato Queiroz sai de Arujá para cursar engenharia civil na UBC. O estudante disse que já precisou trocar o fretado por conta das condições dos veículos da outra empresa. Agora, apesar do acidente, ele disse que não está com medo. “Muitos amigos deixaram de vir de fretado e estão com medo, mas o perigo existe em qualquer lugar.”

40% dos alunos da UMC são de outras cidades, diz universidade (Foto: Gabriela Stuart)
40% dos alunos da UMC são de outras cidades, diz universidade (Foto: Gabriela Stuart)

Mogi-Guararema
Os estudantes que vêm das cidades do Vale do Paraíba costumam passar pela Rodovia Henrique Eroles. Um trecho da SP-66 passa por um trecho de curvas sinuosoas. Maiara Valério Ferreira, de Jacareí, estuda engenharia de produção na UMC. A estudante disse que já foi preciso conversar com o motorista do ônibus para que ele reduzisse a velocidade. “Alguns alunos que moram mais longe do Centro reclamavam no horário que chegavam em casa, então o motorista se sentia pressionado a ter que ir mais rápido. Quando conversamos com ele, ele mesmo nos disse que não se sentia bem fazendo aquilo [excerder o limite de velocidade]. Agora ele anda dentro da velocidade permitida.”

Maiara diz que fica com medo de viajar durante a noite. “Dizer que estamos 100% confiantes é mentira. Todo mundo está exposto ao risco.”

Apesar de algumas empresas de ônibus oferecerem rotas de fretado até Jacareí e São José dos Campos, muitos estudantes preferem a linha intermunicipal da Viação Jacarei por economia.

Caroline Maria Ferreira se formou em dezembro de 2015, mas usava esta linha de ônibus até Jacareí. Formada em engenharia, ela diz que a situação desses estudantes é pior do que os alunos que viajam de fretado. “No fretado o pessoal vai sentado, tem poltrona e cinto de segurança. Esse ônibus vai lotado, todo mundo pendurado e até mesmo sentado na escada. Os motoristas, não por maldade, mas depois que eles pegam confiança na descida da serra, eles pisam no acelerador mesmo.”

Durante cinco anos, Caroline disse que presenciou apenas uma freada brusca do coletivo para não bater. “Estávamos quase chegando, já no trecho urbano, e o motorista estava correndo. Um outro carro fechou o nosso ônibus e ele precisou dar uma freada. Uma colega minha caiu e se machucou. Ele estava errado.”

Segundo a estudante, o gasto com as passagens de ônibus ficava em torno de R$ 140 por mês. A viagem com ônibus fretado fica em torno de R$ 200. Apesar da economia, ela disse que ficava com medo. “A viagem era terrível, eu morria de medo quando ficava de pé. Ônibus não foi feito para transportar passageiro, foi feito para cumprir horário.”

O G1 pediu e aguarda uma posição da Viação Jacareí.

Samantha Soares continua fazendo o mesmo trajeto que a sua amiga Caroline fazia. Ela está no 7º semestre de psicologia na UMC e também utiliza a linha intermunicipal até Jacareí. “Além da questão financeira, uma época que eu vinha de carro com alguns amigos, nós víamos algumas vans na nossa frente correndo muito na estrada. A imprudência existe, independentemente do meio de transporte. Essas vans vinham fazendo zigue-zague e ultrapassagens.”

Além do excesso de velocidade, a aluna reclama das condições da rodovia: “Não tem iluminação e isso pode contribuir para algum acidente. Depois do acidente, percebi que o motorista fazia as curvas mais devagar. Daqui a pouco eles vão esquecer que morreram várias pessoas e vão continuar na velocidade que eles estão acostumados.”

Fiscalização
Em nota, a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) disse que todos veículos cadastrados no fretamento intermunicipal passam por vistorias anuais. Além disso, uma empresa de auditoria também verifica as condições da frota. O órgão reforça que, mensalmente, cerca de 420 ônibus são fiscalizados.

Segundo a Artesp, todos os ônibus devem estar equipados com tacógrafos. Esses equipamentos que medem a velocidade do veículo são vistoriados ao menos uma vez por ano. A Artesp também informou que faz fiscalizações nas rodovias e nos terminais mensalmente. Somente no primeiro trimestre de 2016 foram 16.698 veículos fiscalizados, segundo a agência. Em 2015 foram 65.333 fiscalizações.

De janeiro de 2014 até o dia 15 de junho de 2016, foram autuados 318 veículos que tinham como origem ou destino os municípios do Alto Tietê. A maioria, 128, eram veículos clandestinos – sem licença para operar. Especificamente na Mogi-Bertioga a Artesp fiscalizou 1.001 veículos, autuou 108 e apreendeu 45 entre janeiro de 2015 e março 2016.

O tenente da Polícia Rodoviária Estadual, Marcos da Silva Negrinho, explica que, além das ações feitas pela Artesp, a polícia também faz autuações nos coletivos. Somente neste ano, 86 fretados (incluindo ônibus, micro-ônibus e vans) foram autuados. A infração mais comum é a falta de uso de cinto de segurança. “Os coletivos até oferecem o cinto de segurança, mas muitos passageiros não usam. Em segundo lugar, vem a ineficiência dos equipamentos obrigatórios, como os cintos, tacógrafo, extintor e freios. O terceiro problema mais recorrente é a inexistência desses equipamentos de segurança e o quarto problema mais comum é a má conservação do veículo.”

De acordo com a Polícia Rodoviária, no ano de 2014 foram 192 autuações aos coletivos na Mogi-Bertioga. Já no ano passado, o número caiu para 151 infrações.

Negrinho ainda explica que, dependendo das condições do veículo, a Polícia Rodoviária faz a apreensão e impede a viagem. “Existem infrações, como pneu careca, que eu não posso deixar o veículo seguir viagem. Nesses casos, o carro é apreendido e a empresa deve providenciar um outro veículo para que os passageiros prossigam a viagem em segurança”, explica.

Vítimas de acidente na Mogi-Bertioga (Foto: Arte/ G1)
Vítimas de acidente na Mogi-Bertioga (Foto: Arte/ G1)

Tragédia na Mogi-Bertioga
O acidente no km 84 da Rodovia Mogi-Bertioga foi no dia 8 de junho. Os estudantes partiram em um fretado de duas universidades de Mogi das Cruzes e seguiam para a casa, no litoral.  O motorista do ônibus perdeu o controle em uma curva, o veículo bateu em um barranco, tombou e caiu em uma valeta. O fretado levava estudantes de duas universidades de Mogi das Cruzes para a casa, no litoral.

Para a polícia de Santos, uma análise preliminar realizada na terça-feira (14) no ônibus envolvido no acidente aponta que o veículo não contou com o sistema de freios no momento da colisão.

Segundo a empresa União Litoral, responsável pelo ônibus fretado, o veículo estava com vistoria da ANTT em plena validade, vistorias da EMTU e ARTESP em dia, além de ter passado por manutenção preventiva há 15 dias e, semanalmente, pela manutenção corretiva, estando apto para realizar o transporte, questões já confirmadas pela polícia e órgãos competentes.