Os caminhões do futuro serão ainda mais digitais, verdadeiros bancos de dados sobre rodas, conectados e eletrificados, seguindo a rota obrigatória da redução de emissões, especialmente nos centros urbanos, além de garantir maior eficiência operacional e segurança, com implementação crescente de sistemas avançados de auxílio ao motorista até a direção autônoma, já antevista na próxima década, quando se estima que atrás do volante esteja um “supervisor de transporte”, que só precisará dirigir em certas condições. Essas são as megatendências demonstradas no 66º IAA Commercial Vehicles, maior e mais importante salão de veículos comerciais e componentes, que acontece a cada dois anos em Hannover, Alemanha, desta vez de 22 a 29 de setembro.

Urban eTruck: protótipo de caminhão elétrico pesado da Mercedes-Benz para entregas urbanas eleva o alcance da eletrificação em veículos comerciais
Urban eTruck: protótipo de caminhão elétrico pesado da Mercedes-Benz para entregas urbanas eleva o alcance da eletrificação em veículos comerciais

“Esta edição do IAA em Hannover é caracterizada por temas orientados para o futuro dos caminhões e veículos comerciais em geral, como digitalização, conectividade e direção automatizada, tudo isso junto com propulsão alternativa”, resume Matthias Wissmann, presidente da associação da indústria automotiva alemã, a VDA, que reúne fabricantes de veículos e autopeças do país e organiza o IAA – este ano com 2.013 expositores de 52 países, que ocupam 270 mil metros quadrados dos 27 pavilhões da Hannover Messe e prometem fazer 332 lançamentos mundiais durante o evento, entre caminhões, ônibus, vans, componentes e implementos.

“A transformação digital pela qual passam os veículos comerciais e a introdução de sistemas de propulsão alternativa oferecem uma grande oportunidade de fazer com que o crescente transporte rodoviário de carga em todo o mundo seja mais eficiente e amigável ao clima do planeta”, destaca Wissmann. “O processo de digitalização dos veículos está sendo levado adiante pelos fabricantes, mas nada é feito sem os fornecedores de componentes e sistemas, que também demonstram forte compromisso com as megatendências dessa indústria. Quando os futuros caminhões pesados conectados digitalmente estiverem dirigindo automaticamente em comboios nas estradas, vão reduzir o consumo e simultaneamente melhorar a segurança”, avalia o dirigente.

A perspectiva da VDA é de que até o fim desta década os veículos comerciais vão ganhar sistemas para condução semiautônoma. A automação total deve chegar em etapas entre 2020 e 2030. Primeiro, a inteligência artificial assumiria o controle em situações de menor complexidade de tráfego, evoluindo para a direção autônoma em qualquer situação.

Veículos comerciais autônomos estão pressentes em número cada vez maior no IAA. Em 2014, a Mercedes-Benz apresentou o seu primeiro conceito de caminhão autônomo. Este ano foi a vez de mostrar do primeiro ônibus capaz de rodar sem interferência do motorista, que já roda em testes em corredor BRT de Amsterdã, na Holanda (leia aqui), e também a primeira van autônoma – esta com outras inovações futuristas, como compartimento de carga automatizado, com pequenos robôs e drones pousados no teto do veículo para fazer entregas urbanas em um raio mais curto de ação. Scania, Iveco e Volvo também apresentaram seus conceitos autônomos.

CONECTIVIDADE TOTAL

Depois de ouvir e ver as novidades dos principais fabricantes de veículos comerciais nos corredores do IAA em Hannover, a certeza é que todos os caminhões, vans e ônibus no mundo desenvolvido (especialmente Europa e América do Norte) serão conectados, com comunicação on-line entre eles, com as empresas frotistas, com os fabricantes, com a infraestrutura de tráfego, com os satélites e também com as concessionárias e suas oficinas. Não houve uma montadora sequer que, ao presentar seus produtos, não mostrasse também alguma novidade em suas plataformas de telemetria, sempre com o objetivo comum de reduzir consumo, aumentar a segurança e a eficiência da operação, agilizar programas de manutenção e reparos eventuais.

A Volkswagen Truck & Bus, divisão criada há um ano pelo Grupo VW para abrigar todas as suas fabricantes de veículos comerciais (MAN, VW Caminhões e Ônibus, Scania e VW Veículos Comerciais), anunciou durante o IAA a introdução de mais uma marca ao seu portfólio: Rio, nome de sua nova plataforma aberta de conectividade, cujo nome foi inspirado na palavra portuguesa para simbolizar fluxo, como a correnteza de um rio. A Rio roda em sistema operacional Android ou IOS e será integrada a todos os caminhões MAN na Europa a partir de 2017, depois nos Scania e depois segue para as outras marcas, inclusive com chances de chegar ao Brasil em mais alguns anos. Mas é aberta porque poderá ser usada por qualquer veículo, de qualquer fabricante, com funcionalidades como monitoramento de rota e consumo, comunicação com a oficina, gerenciamento de fretes.

A conectividade é elemento fundamental para o desenvolvimento da direção autônoma, especialmente para conectar caminhões e formar comboios em que o primeiro veículo da fila “puxa” os demais, como se fosse um trem rodoviário com “vagões” conectados virtualmente. As vantagens desse tipo de arranjo tecnológico são o aumento da segurança e redução de consumo de, em média, 7% para o pelotão todo – algo como 5% para quem lidera o grupo e 10% para os que vêm atrás, porque enfrentam menos resistência aerodinâmica.

A Mercedes-Benz usou o seu FleetBoard para construir um enorme e valioso banco de dados, aproveintando-se do fato de que 180 mil veículos de 6 mil clientes em 40 países usam o sistema. “Já temos dados suficientes para oferecer muitos serviços inteligentes aos nossos clientes”, destaca Stefan Buchner, chefe mundial da divisão de caminhões Mercedes-Benz. Ele conta que a empresa iniciou há três anos um projeto piloto com 16 frotistas que rodam com 1,4 mil caminhões, para testar novas soluções como apoio do fabricante em tempo real, antecipação de problemas com agendamento on-line de serviços nas oficinas autorizadas, reduzindo assim o tempo para eventuais reparos. “A questão não é só ter os dados, o acesso aobig data, mas saber interpretá-los para oferecer os serviços que os clientes precisam”, afirma Buchner.

O monitoramento à distância, por telemetria, pode trazer ganhos significativos em economia de combustível. “Clientes já relataram reduções de 20% no consumo. Isso acontece porque o fator humano é fundamental para reduzir o gasto de combustível. Ao monitorar o veículo, é possível treinar o motorista para consumir menos”, explica Buchner.

“A conectividade está mudando a face dessa indústria”, decreta Henrik Henriksson, presidente da Scania. Segundo ele, a marca já tem mais de 200 mil caminhões conectados em todo o mundo. “Os dados em tempo real são muito valiosos para melhorar a eficiência de nossos clientes e reduzir a ociosidade de carga dos veículos, que chega a 40% na Europa. Com plataformas como a Rio será possível planejar melhor a operação e aumentar a rentabilidade”, diz. A oferta de serviços de manutenção também será bastante agilizada. “Estamos entrando na era do ‘não ligue, nós ligamos para você’, porque vamos saber exatamente quando seu caminhão precisa de manutenção e reparos. A conectividade vai nos contar isso”, resume Christian Levin, diretor de marketing e vendas da Scania.

MAIS ELETRIFICAÇÃO

A conectividade também será fundamental para fazer dar certo a onda de eletrificação do powertrain de ônibus e caminhões. As mudanças rumo aos veículos comerciais alimentados por baterias devem ocorrer com mais força na logística urbana, onde sistemas de propulsão elétricos e híbridos são necessários para atender metas de emissão de CO2 e redução de ruídos cada vez mais restritivas, especialmente nas cidades da Europa e América do Norte. “Propulsão elétrica e híbrida, bem como de gás natural são palavras-chave no transporte urbano, onde esse tipo de veículo está se tornando mais e mais importante. Isso já é realidade para vans e ônibus, e logo será também para caminhões pesados que operam na distribuição local de produtos”, prevê Wissmann.

MAN e Mercedes-Benz vão exatamente nessa direção. Ambas mostraram seus primeiros modelos pesados 100% movidos por motores elétricos embutidos diretamente nos eixos, fornecidos pela ZF. A MAN mostra no IAA um cavalo mecânico elétrico semipesado, indicado para entregas urbanas noturnas de maior porte, pois praticamente não faz barulho ao se movimentar.

Por seu turno, a Mercedes-Benz mostrou ao público o seu Urban eTruck, de 26 toneladas de peso bruto total e capacidade de carga de 12,8 toneladas, que carrega 2,5 toneladas de baterias, mas como eliminou o motor a combustão e transmissão (os dois motores elétricos são acopladosnos eixos), ficou 1,7 tonelada mais pesado do que o modelo convencional do mesmo porte. Com autonomia para rodar 200 km, o Urban eTruck é equipado com sistema de gerenciamento on-line de rota, FleetBoard para veículo elétrico, que informa ao motorista as diferenças entre a rota planejada e a real, com dados de tráfego, para garantir que ele nunca fique descarregado, inclusive informando sobre pontos para possível recarga das baterias – uma carga de 100% leva duas horas para ser completada.

O Urban eTruck ainda não tem data exata para chegar ao mercado, mas a Mercedes-Benz espera lançar o veículo comercialmente até a virada desta década. “Hoje o preço do caminhão elétrico é maior do que o convencional, mas o custo das baterias está caindo e a energia elétrica é cerca de 40% mais barata do que o do diesel, por isso o custo maior de aquisição pode ser amortizado em três anos. São fatores que estão viabilizando o uso da tecnologia”, explica Wolfgang Bernhard, CEO da Daimler Trucks. Mas há questões a resolver: se um frotista colocar 10 Urban eTruck para carregar ao mesmo tempo, pode derrubar a energia de um quarteirão inteiro. “Por isso também criamos o programa Truck2Grid, para programar as recargas e evitar sobrecargas no sistema elétrico”, diz Berhard.

“A Daimler Trucks abriu totalmente a porta para os veículos comerciais elétricos urbanos, que seguramente vão deixar as cidades mais limpas”, diz o executivo. Até 2018, o grupo deve lançar seus primeiros modelos totalmente elétricos, um ônibus, uma van Sprinter e um caminhão leve da marca japonesa Fuso, também pertencente à Daimler. O Fuso eCanter deve começar a ser vendido na Europa, Japão e América do Norte a partir do fim de 2017, com autonomia de até 100 km, mas o conjunto de baterias poderá ser configurado de acordo com a necessidade do cliente – é possível colocar menos baterias para quem opera rotas forem mais curtas. A promessa é de custo operacional de apenas 40% do estimado para um modelo diesel de mesmo porte.

“Este IAA mostra que vamos conviver com uma ampla gama de sistemas de propulsão no futuro. Os motores diesel vão continuar a ter papel fundamental nas operações de longa distância, nos caminhões pesados, mas neste caso os últimos avanços da tecnologia de pós-tratamento de gases poluentes já fazem esses veículos mais econômicos, eficientes e limpos. Os modelos Euro 6 têm taxas de emissões de poluentes muito baixas e, portanto, essa questão está resolvida no momento”, diz Wissmann, da VDA.