Como o senhor definiria o projeto de Lei nº 4860/2016, que “institui normas para regulação do transporte rodoviário de cargas em território nacional e dá outras providências”, mais conhecido como Marco Regulatório do setor de transporte rodoviário de cargas e como está a tramitação dele na Câmara?
Assis do Couto – É bem amplo, confuso, um projeto realmente complexo, quase cria um estatuto. Prevê várias coisas, mas mexe profundamente com a vida dos caminhoneiros, principalmente dos autônomos, dos pequenos, e das pequenas e microempresas que vivem dessa atividade. Como é muito amplo, foi criada uma Comissão Especial para tratar do assunto composta por vários partidos proporcionalmente. Só que essa Comissão foi instalada e nunca teve reunião. Houve o prazo para emendas (eu não estava ainda na comissão em 2016), foram apresentadas várias e o relator, deputado Nelson Marquezelli, foi negociando com vários seguimentos, mas sem audiências públicas na Câmara, instaladas, com memória, com relatórios, identificação de quem participou. Ou seja, foram feitos vários acordos extra Câmara para chegar a um parecer. E mesmo depois que eu entrei, apresentei requerimentos para audiências públicas e nunca foram realizadas. Então já era previsto que ele viria com um substitutivo.
E qual é a avaliação geral do parecer apresentado pelo deputado Nelson Marquezelli?
Assis do Couto – Ele pegou o projeto da deputada Christiane Yared, fez grandes modificações e apresentou agora o substitutivo. Nós já tínhamos tido uma minuta deste substitutivo, que era ruim. Porém, o apresentado nesta quinta-feira (26) é pior, afeta ainda mais a vida dos caminhoneiros autônomos. Em uma reunião que não teve quórum, sem debate, não podia deliberar nada, apenas foi apresentado e agora está publicado o parecer do relator. Eu avalio em geral como uma tramoia, uma armadilha que estão preparando para os caminhoneiros autônomos, patrocinados pelas grandes tradings, as grandes empresas do agronegócio, pelas grandes transportadoras, por um setor que quer destruir os caminhoneiros autônomos, que é uma atividade de longa data e que tem muita gente que depende dela. Então, em linhas gerais, o projeto era ruim e o parecer do relator ficou muito pior.
Quais são os principais impactos para a categoria caso esse substitutivo seja aprovado e se transforme em lei?
Assis do Couto – São muitos impactos negativos. O artigo segundo, por exemplo, estabelece “regime de livre concorrência”, ou seja, é uma atividade econômica que deve ter sua exploração por pessoas físicas ou jurídicas em regime de livre concorrência. Isso quer dizer o seguinte: jamais o Governo ou o Estado poderá intervir. Isso é um dispositivo para inviabilizar o nosso projeto que estabelece o Preço Mínimo do Frete (PL 528/2015) e que dá proteção aos caminhoneiros mais fracos, aos pequenos e aos autônomos. O Estado deve regular essas relações comerciais para evitar que o grande destrua o pequeno. Na economia é um pouco assim. Então a livre concorrência sepulta de vez o preço mínimo do frete, pois jamais o governo vai poder intervir. E por que colocar isso? Justamente para inviabilizar o PL 528 que já está no Senado e que estabelece uma regulação do Estado, não uma intervenção, mas uma atuação do Governo para regular o preço do frete, o lucro das transportadoras em cima dos caminhoneiros. Então essa questão da livre concorrência é uma paulada mortal nos caminhoneiros que precisam da proteção do Estado. Outro ponto é que o TAC (Transportador Autônomo de Carga) poderá ter apenas um caminhão. Por que não pode ter dois, três, quatro caminhões, porque tem a família. Isso é um problema. Outra coisa, as cooperativas ainda estão classificadas como categoria. Cooperativa não é categoria, é uma forma de organização, deve estar em outro lugar. Na questão do recebimento das diárias ele retira do transportador autônomo o direito aos atuais R$ 1,59 por tonelada/hora e volta aos R$ 1,38 por tonelada/hora, condicionando o pagamento ao agendamento feito pela transportadora, mascarando assim o direito e dando vantagem aos embarcadores/recebedores/transportadores. O Vale-Pedágio é outro problema. O projeto acaba com a multa de duas vezes o valor do frete para a empresa que não pagar o pedágio e transfere para a ANTT regulamentar a punição. Na questão de conflitos, o projeto retira do transportador autônomo a possibilidade de ingressar na Justiça do Trabalho ou no seu domicílio quando for discutir um contrato. Outro ponto muito preocupante é a abertura para as autoridades da via deliberarem sobre autorizações especiais de trânsito, tornando assim inseguras e agressivas as ações dos grupos econômicos por aumento de dimensões e pesos para a redução de custos operacionais, o que vai impactar diretamente no pagamento do frete.
O senhor citou a existência do que chamou de “penduricalhos”, o que seria isso?
Assis do Couto – Antes estavam no artigo 2º, agora eles melhoraram um pouco e colocaram no artigo 3º. São aquelas consideradas categorias econômicas acessórias ao transporte rodoviário de carga, tem sete. Mas seis delas, desde o inciso segundo até o sétimo são parasitas, que deveriam ser regulamentadas e não criadas em leis. Temos lá Responsável Técnico – RT, Gerenciadora de Risco de Transporte Rodoviário – GRTR, Empresa de Atendimento a Emergências – EAE, Instituição de Meios de Pagamento Eletrônico de Frete – IPEF, Empresa de Vale-Pedágio – EVP, e a Operadora Eletrônica de Frete – OEF, que nada mais é do que o Uber de caminhão. Essas empresas são criadas muito dinheiro, porque se for pouco não cria, R$ 200 mil, R$ 400 mil reais de patrimônios. No caso da Gerenciadora de Risco de Transporte Rodoviário – GRTR, estavam lá fazendo lobby para aprovar o projeto porque já tem um plano de monopólio para operar o sistema. Então são penduricalhos, não tem que estar em lei, depois os caminhoneiros serão obrigados a pagar estes serviços, o que traz um impacto muito grande na vida deles.
Ainda há tempo para apresentar novas emendas?
Assis do Couto – Até o dia 09 de novembro encerra o prazo para emendas – e nós vamos fazer várias emendas, depois o relator quer colocar em votação até o dia 22 de novembro. A preocupação é que um projeto aprovado em uma Comissão Especial tem muita força, dificilmente você reverte no Plenário. Depois ele vai para o Senado, mas a tendência é ir direto para o Senado e depois voltar para o Plenário da Câmara. Mas o que eu posso concluir é que um projeto de lei, aprovado em uma comissão especial, por mais que ele tenha sido aprovado de forma duvidosa, sem audiências públicas, sem participação dos interessados, tem muita força e poderá se transformar em lei, o que é o mais grave. Então estamos com essa preocupação de que poderemos ter uma armadilha muito grave para os caminhoneiros, principalmente autônomos.
E como a categoria pode se organizar para participar da construção desse Marco Regulatório e evitar prejuízos para a classe?
Assis do Couto – O tempo é curto. Vão ter que se mobilizar. Acho que já estão bem articulados, mas é preciso se organizar. Vão apresentar emendas, conversar com os parlamentares para apresentarem essas emendas e tentar ao máximo evitar uma votação de última hora, que é o que os condutores do processo, presidente e relator, querem. Eles querem pegar de surpresa, aprovar sem debate já no dia 22 de novembro. Teríamos que apresentar o máximo possível de emendas, mesmo sabendo que serão rejeitadas praticamente todas. Mas temos que evitar de votar isso na Comissão Especial sem abrir este debate. Este é o problema de uma categoria com enorme dificuldade de organização. Aparecem representantes nas reuniões que não têm nada a ver com a categoria. Gente que está no Rio (de Janeiro), São Paulo, Curitiba em federações e sindicatos que não representam o setor dos autônomos, mas que estão aqui. Acho inclusive que essa seria uma questão a ser corrigida no Marco Regulatório: as formas de representação da categoria. Limpar um pouco isso. Tem sindicatos e federações que nunca conseguiram uma carta sindical porque são uma fraude. Mas estão aqui representando os caminhoneiros. Então os caminhoneiros terão uma tarefa muito grande que é se organizar. Fizemos um amplo debate no Sudoeste do Paraná nesse sentido, de criar os conselhos regionais, tentar separar o joio do trigo, criar uma organização própria dos caminhoneiros autônomos em nível nacional, enfim, fazer o que dá para salvar alguma coisa.