Muitos operadores logísticos se negam a trabalhar com produtos “muito visados” pelos ladrões. Produtos como pneus, cigarros, medicamentos e eletroeletrônicos exigem programas de gerenciamento de riscos e apólices de seguro cada vez mais complexas e sofisticadas.
Dados do setor dão conta que um grande número de companhias seguradoras existentes no Brasil não gosta (ou não quer) operar no ramo de transportes de carga, por exemplo, e quando o fazem, impõem uma série de restrições e limitações e/ou obrigações que, além de aumentarem os custos correspondentes, geram obstáculos e, até mesmo, total inviabilidade operacional.
Talvez no transporte essas exigências sejam cada vez maiores: cobertura por veículo muito baixa alto valor de franquia (em alguns casos chega a 30% do valor do prejuízo em casos de sinistro), obrigatoriedade de rastreamento, escolta e cadastro de motoristas simultaneamente e para todo e qualquer tipo de carga, são alguns exemplos.
Com consequência, despesas com segurança e adoção de medidas preventivas no transporte de cargas já equivalem entre 13% a 17% dos custos de operação, sendo que algumas apólices de seguro aumentaram mais de 30% (reais) nos últimos anos.
Esta é uma situação antiga, pois no Relatório Final da CPI Mista do Congresso Nacional de 2002, sobre roubo de cargas, já estava explícito que o “aumento em média de 40% do custo do seguro, inviabiliza, em parte, a rentabilidade das empresas. Com o reduzido número de seguradoras oferecendo cobertura contra o roubo de carga, e a imposição de condições quase impossíveis de se cumprir, levou mais de 200 empresas a falência nos últimos dois anos.”
O crescimento de eventos com roubo de cargas é concreto, segundo todas as estatísticas elaboradas sobre o assunto. Lamentável ressaltar que na medida em que se investe mais na proteção das cargas em transporte, aumentam as tentativas de assaltos nos armazéns, nos pátios e nos centros de distribuição, sejam de transportadoras logísticas ou dos próprios embarcadores.
Com isso diversos são os impactos causados nas empresas:
a) Carteira de seguros deficitária e pouca oferta de serviços de seguro para armazenagem e o transporte de determinados produtos
b) Prêmios mais altos, imposição de condições restritivas e liminantes junto ao segurado e à própria operação e, consequentemente, baixa competitividade;
c) Aumento no “Transit-time” geral, diante das complexidades e providências operacionais necessárias;
d) Reprogramação de entregas e reconfigurações dos desenhos logísticos;
e) Custos extraordinários;
f) Possibilidade de perda de mercado pelo cliente; e
g) Concorrência desleal: produto roubado x produto original.
Especificamente nos casos de assalto e roubo de carga, segundo estudos de especialistas, com um eficiente sistema de gerenciamento de riscos, 70% dos sinistros poderiam ser evitados.
Consequentemente, em fase da nova situação de riscos hoje enfrentada pelas empresas brasileiras e em decorrência da legislação que trata da responsabilidade civil empresarial, as empresas estão alinhando seu programa de gerenciamento de riscos aos desejos e às necessidades de seus clientes, às exigências correspondentes e os valores da própria empresa. Se por um lado, os clientes desejam receber suas mercadorias em bom estado, na hora e no local determinados (somente em último caso os clientes querem ser indenizados) os operadores, por último, tem a responsabilidade de entregar essas mercadorias nas condições acordadas.
Todo prestador de serviços logísticos sabe que na eventualidade de uma ocorrência, que resulte em indenização, estará em discussão o próprio patrimônio da operadora, pois em muitos casos os valores são significativamente altos.
Portanto, saímos da discussão “apólice de seguros” para discutirmos programas de gerenciamento de riscos que protejam o patrimônio das empresas que se prestam a realizar os serviços logísticos.
E é evidente que os riscos de uma empresa não estão somente nas possibilidades de evento do tipo aqui comentado (roubos ou furtos de cargas ou de tombamento ou colisão de caminhões). Há, infelizmente inúmeras outras oportunidades nos quais o patrimônio de um operador logístico poderá estar em “perigo”. Além, evidentemente, dos riscos nos quais incorrem as pessoas que trabalham ou frequentam esses operadores: funcionários, amigos, clientes, terceiros, prestadores de serviço e subcontratados. E para uma vida não há reparo e, tampouco, preço de indenização possível!
Diante disso, a visão do moderno gerenciamento de riscos tem que estar muito mais ampliado e considerando diversos aspectos que, sem dúvida, propiciam riscos concretos as empresas. Um procedimento incorretamente formulado, um programa de manutenção deficiente, um funcionário sem treinamento ou “desavisado”, uma escala mal construída, uma ligação elétrica mal feita, um pneu mais “careca” do que o permitido pelas normas técnicas, um equipamento operacional em mau estado de conservação , uma estante incorretamente instalada, um funcionário sem o devido EPI ou uma operação realizada sem os devidos cuidados, contribuem, e muito para o aumento da vulnerabilidade do ser humano e do patrimônio empresarial.
E, como se sabe, muitos desses riscos poderiam ser evitados a partir de um programa de gerenciamento de riscos moderno e que faça, de fato, parte da cultura empresarial de um operador logístico responsável.
O MODERNO CONCEITO DO GERENCIAMENTO DE RISCOS
Para alcançar esses novos objetivos e como consequência desse novo conceito, o sistema de gerenciamento de riscos das empresas precisa ser construído com base em alguns pontos fundamentais:
Adaptado à empresa, que faça parte da Governança Corporativa e esteja difundido em toda a empresa (cultura de prevenção de riscos),
Desenhado caso a caso, que respeite a legislação, os órgãos e as agências reguladoras vigentes, as normas e regras internas (todos os procedimentos e planos que padronizem as atividades empresariais) e as exigências dos clientes e das companhias de seguros,
Com instalações físicas, de infraestrutura e de equipamentos operacionais adequados,
Com programas específicos de prevenção e contingências,
Com procedimentos de controle sobre eventuais perdas,
Com procedimentos de assessoria junto ao cliente ou usuário do sistema,
Com correta e adequada contratação de Seguros,
Com programas de treinamento intensivos.
Não é uma novidade, mas vale ressaltar que de uma forma geral, esse novo conceito deve ser operado em três fases distintas:
1º Controle do processo (Antes) – a análise do Gerenciamento de Riscos se inicia na venda dos serviços, quando se busca conhecer profundamente e detalhadamente as operações dos clientes para uma correta identificação e análise de riscos. Neste momento, estabelecem-se: (I) a tecnologia a ser utilizada, (II) os planos de prevenção e contingência, (III) os procedimentos pertinentes, (IV)a correta escolha de subcontratados ou fornecedores, (V) o treinamento e (VI) compatível contratação de seguros;
2º Excelência operacional (Durante) – na operação e no manuseio das mercadorias e dos equipamentos é importante faze-los de forma correta: inspecionando e testando esses equipamentos, aplicando rigorosamente as normas, procedimentos e treinamentos estabelecidos, controlando e monitorando todo o processo.
3º Administração de desvios (Depois) – Na eventualidade de alguma ocorrência, reagindo rapidamente na busca de eventual recuperação ou minimização de prejuízos, realizando uma completa investigação sobre o evento e instituindo-se um programa de correção.
Portanto, o escopo desse novo conceito de gerenciamento de riscos – muito mais abrangente – deverá fazer parte da estratégia e da cultura da empresa e ser aplicado em todas as áreas e atividades empresariais.
Paulo Guedes é atualmente diretor-presidente da VeloceFonte: * Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV. É colunista do Guia do TRC.