Em menos de três meses, aquela era a quarta ocasião, dois dias antes do Natal, em que Rafael (nome fictício) se via diante de um assaltante armado. Cansado da rotina de violência, o motorista ensaiou uma queixa com o bandido sobre os ataques em sequência. A resposta veio em um misto de deboche e sinceridade: “O seu trabalho é levar carga. O nosso é roubar”. No segundo dia da série “O crime passa pela Brasil”, o EXTRA conta o drama dos caminhoneiros e entregadores que dependem da principal via expressa do Rio para se deslocar.
Numa tentativa de despistar as quadrilhas, algumas empresas passaram a transportar produtos em carros de passeio, em vez de caminhões. A tática, além de encarecer a operação, parece não ter surtido efeito: pelo menos 10% dos 208 roubos de carga registrados na Avenida Brasil no último trimestre de 2017, período analisado na série de reportagens, tiveram como alvo um veículo comum.
Um deles é o carro de Rafael, um Renault Logan 2008, com o qual ele presta serviço para uma firma terceirizada contratada pela Souza Cruz. Nenhuma outra empresa, aliás, sofre mais do que a companhia de cigarros com os assaltos na Brasil. Entre outubro e dezembro do ano passado, 23 cargas da Souza Cruz foram levadas em abordagens na via, média exata de um caso a cada quatro dias. Um prejuízo que, só com os roubos citados, supera com folgas os R$ 500 mil.
— A gente já sai do centro de distribuição receoso, pensando no que vai rolar. Para piorar, eu acabo perdendo um dia na delegacia, e isso afeta meu pagamento — conta Rafael, de 33 anos.
O trauma de ficar diante de uma arma constantemente é potencializado pela agressividade dos assaltantes, que com frequência recorrem a ameaças. Num dos roubos de que foi vítima, Rafael relatou, na 33ª DP (Realengo), ter ouvido o seguinte aviso: “Vê lá o que você vai falar na delegacia, estou com seu documento aqui no celular”.
Quadrilha atirou contra carro do Detro
Em dezembro, um funcionário do Departamento de Transportes Rodoviários (Detro) passava de carro pela Avenida Brasil quando, próximo ao Morro do Chaves, flagrou um roubo de carga. Ao notarem a presença do veículo caracterizado do órgão, os bandidos “confundiram a viatura do Detro com a de polícia e abriram fogo”, como consta no registro feito na 39ª DP (Pavuna). Ninguém ficou ferido.
Não foi a única vez em que o poder público virou alvo direto da violência na Brasil. Em 17 de novembro, um posto da Secretaria Municipal de Conservação em Magalhães Bastos foi arrombado, e dois vigilantes rendidos. Ao fim da ação, só dois celulares da prefeitura foram levados.
‘Fui roubado duas vezes em três dias’
Depoimento de J., 29 anos, motorista de entrega
“Fui roubado duas vezes na Avenida Brasil em três dias. Ambas no início da manhã, após deixar a firma sem escolta no meu carro particular. Eles atuam do mesmo jeito: armados, fecham a gente e mandam parar. Aí, levam a carga para alguma comunidade e esvaziam tudo. Depois, como que por caridade, costumam devolver o veículo.”
Veja, abaixo, a nota enviada pela Souza Cruz:
“A crise de segurança afeta a todos que moram e trabalham no Rio de Janeiro, e com a Souza Cruz não é diferente. Nossos colaboradores e nossas operações são impactados pela violência urbana. Em 2017, registramos uma média de 6 eventos de roubo de cargas por dia, o que nos faz revisar, constantemente, a estrutura de distribuição e de proteção dos nosso colaboradores. No ano passado, o investimento da companhia em segurança cresceu 20%, o que demonstra a seriedade com que a Souza Cruz trata o tema.”