Gaúcha Zero Hora – Parecer técnico da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), concluído em 22 de junho deste ano, indica que a Concepa teria maquiado trechos da freeway, entre Porto Alegree Osório, e da BR-116, entre a Capital e Guaíba, antes de inspeção do órgão regulador marcada para ocorrer de 1º a 23 de março de 2018. Conforme o documento, sofreram intervenção de engenharia “longos trechos, durante períodos longos de execução” para rejuvenescer a superfície do pavimento mediante aplicação de microrrevestimento asfáltico, ação que teria mascarado problemas técnicos e de desempenho.
O entendimento do relator André Geraldi Mânica, especialista em regulação da ANTT no Estado, é de que o material utilizado não agrega reforço estrutural e tem pouca vida útil em rodovias de tráfego intenso. Ou seja, não corrige ou trata defeitos na origem, como trincamento ou afundamentos. Na prática, segundo o parecer, apenas “melhora momentaneamente a superfície”, maquiando suas reais condições.
“Isso pode ensejar uma situação avaliatória que não corresponda às reais condições funcionais/estruturais, dado que os defeitos e falhas não levantadas naquela ocasião, voltarão a recrudescer, cessado o efêmero efeito da aplicação do microasfalto”, diz o documento.
Com isso, “sem prévia correção da gênese do defeito”, as deformações funcionais e estruturais não encontradas na inspeção por causa da aplicação do microasfalto “voltarão passado o efeito efêmero” do material, “até em maiores proporções, pois a solução foi adiada”. A conclusão é de que, em decorrência dessa situação, os resultados de desempenho, aderência, trincamento, afundamento, entre outros, podem não ter retratado a superfície da rodovia de forma fidedigna.
— Microasfalto é um material muito bom para impedir que a água penetre pelas trincas e formem-se os buracos, mas o problema é que se deteriora rapidamente. Impermeabiliza, mas não recupera a estrutura. Em vias como a freeway, o ideal é fazer recapeamento para corrigir falhas — avalia o engenheiro aposentado do Ministério dos Transportes Mauri Panitz, acrescentando que a quantidade de defeitos define se a pista foi bem projetada e se o asfalto está sendo conservado de maneira correta:
— Faz tempo que venho dizendo que a Concepa, para esconder a situação da freeway, usa constantemente o microasfalto.
De acordo com o levantamento da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), quando a degradação do asfalto foi colocada à prova, foi apontado que 13% do pavimento entre Osório e Porto Alegre, ida e volta, não atende às normas previstas no Programa de Exploração da Rodovia (PER) e que os defeitos deveriam ter sido consertados até julho de 2017. Em relação a trincas e fissuras, que indicam fadiga do revestimento asfáltico e causam impacto na estimativa de vida útil do pavimento, o estudo mostrou que o previsto no contrato também não foi atendido. As condições deficitárias podem ter sido mascaradas pela utilização do microasfalto.
“A ocorrência de trincas FC2/FC3 são defeitos importantes no pavimento, demonstrando implicitamente que a rodovia possui baixa capacidade de suportar tráfego, resistir ao efeito de cargas cíclicas bem como absorver variações climáticas e intempéries.” É pelas trincas que a água infiltra e formam-se os buracos. Em julho, a reportagem de GaúchaZH encontrou 288 buracos entre Porto Alegre e Osório, em ambos os sentidos.
Quando o quesito avaliado foi o afundamento de trilha de roda, defeito que demonstra que a rodovia tem baixa capacidade de suportar cargas, conclui-se que, dos 13 pontos avaliados entre Osório e Porto Alegre, 12 continham afundamento igual ou superior a 5mm, medida considerada irregular. No sentido inverso, 19 pontos foram analisados e em 14 deles havia problemas. “Competia contratualmente à concessionária corrigir todos os defeitos, tanto na superfície, como na própria estrutura do pavimento”, diz o parecer.
Sobre as datas, o relator destaca que a Concepa foi avisada previamente que a inspeção ocorreria entre 1º e 23 de março de 2018. Sabendo das datas, a concessionária informou à ANTT, ainda no fim de fevereiro, como de praxe, que realizaria serviços de manutenção no pavimento em março de 2018.
Porém, em abril, a ANTT recebeu o relatório de atividades realizadas pela Concepa em março e identificou que os dias de reparo foram adiantados e que a quantidade de trechos manuseados foi ampliada.
Ainda que o resultado possa ter sido comprometido pela aplicação do microasfalto, a inspeção encontrou irregularidades que deveriam ter sido sanadas até julho de 2017, fim da fase de melhoramento.
Isso porque de julho de 2017 a julho de 2018, a Concepa deveria fazer apenas atividade de conservação rotineira na freeway, “por estar em vigor mera extensão de prazo contratual”. Não estava previsto em contrato intervenções maiores no pavimento. Bastava, apenas, corrigir defeitos e preveni-los para que o padrão da rodovia fosse mantido até 3 de julho de 2018 e para que o pavimento perdurasse com desempenho funcional e estrutural satisfatório até 2026.
Questionada, a ANTT informou que a concessionária foi autuada após a abertura de processo administrativo. Passada a fase de apresentação de recursos, a máxima punição que poderá ser aplicada é a cobrança de multa. Outra iniciativa foi buscar o dispositivo presente no contrato de concessão, previsto para ser usado em casos de omissão da Concepa.
Segundo a agência, durante a gestão da freeway, a Concepa foi notificada 67 vezes por inadimplência contratual, embora não tenha informado quantos casos resultaram na aplicação de multas. Entre os problemas observados, estão o “não atendimento aos parâmetros de desempenho previstos para elementos da rodovia, bem como de operação do trecho concedido (faixa de domínio, pavimento, sinalização vertical e horizontal, elementos de proteção e segurança, operação da rodovia) e por inexecução de investimentos”.
Confira trechos do documento
Contraponto
O que diz a Concepa
Causa estranheza a problematização de uma demanda que já está sendo tratada administrativamente com a ANTT, em rito rotineiro entre concessionária e órgão regulador. Os trabalhos de microrrevestimento asfáltico aos quais se referem o referido parecer técnico são classificados como conservação dos pavimentos, conforme a norma 035/2004-ES do Dnit, e eram feitos rotineiramente pela concessionária, além de outros serviços de conservação dos pavimentos. Mesmo antes de a ANTT contratar o referido consórcio para a realização da análise de monitoração do pavimento, a Triunfo Concepa vinha realizando este tipo de serviço. Dos 12 meses de extensão de contrato, em 10 houve trabalhos de microrrevestimento asfáltico, entre outubro de 2017 até o final da concessão, todos devidamente reportados à agência reguladora.
Ao longo da trajetória da Concepa, foi reduzido em 49% o índice de acidentes com morte, o que representa pelo menos 460 vidas salvas. Além disso, a freeway foi eleita por três anos consecutivos a melhor rodovia federal do país e a última pesquisa CNT classificou quase toda a extensão com o conceito “ótimo”. Essas informações, aliadas à experiência de quem trafegou no trecho concedido ao longo dos últimos 21 anos, dão à Concepa a certeza da qualidade do trabalho realizado.