A circulação de caminhões com excesso de peso lesa não somente a administração pública, mas, também, todos os usuários que trafegam pelas rodovias. Esse foi o principal fundamento utilizado pela desembargadora federal Cecília Marcondes para condenar a Syngenta Proteção de Cultivos Ltda ao pagamento de indenização por danos morais coletivos de R$ 10 milhões.

A decisão é da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3), em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contra a empresa líder mundial no segmento do agronegócio.

As informações foram divulgadas pela Assessoria de Comunicação Social do TRF-3 – APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015263-46.2015.4.03.6105/SP

A Syngenta fica sediada na Suíça e é especializada em produtos químicos e sementes.

Segundo apurou o Ministério Público Federal em inquérito civil, nos últimos cinco anos, a empresa foi autuada 1.633 vezes, por excesso de peso no transporte de cargas em rodovias federais, pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).

Outras 564 autuações foram aplicadas pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo (DER-SP).

Na ação, a Procuradoria pediu que a Syngenta fosse condenada a se abster de trafegar em rodovias federais com excesso de peso, sob pena de multa de R$ 10 mil a cada infração, e a pagar, por violação ao patrimônio público, ao meio ambiente e à segurança dos usuários, danos materiais e morais coletivos, calculados, respectivamente, em R$ 4.780.640,16 e R$ 25.226.246,08.

Abstenção sob pena de multa

Para a desembargadora Cecília Marcondes, relatora do acórdão, ‘ficou comprovado que empresa promove, de forma frequente e sistemática, o transporte, pelo sistema rodoviário, de mercadorias acima do limite de peso estabelecido em lei’.

Mas Cecília entendeu ser ‘descabido o pedido de proibir, sob pena de multa, os veículos da empresa de saírem de seus estabelecimentos com excesso de carga, uma vez que a conduta de transitar com excesso de peso já é considerada ilícita e há previsão legal de sanção ao infrator’.

A magistrada acredita que ‘não há necessidade de impor uma nova punição ao infrator’. Ela ressaltou ser necessário que ‘os órgãos fiscalizadores aumentem a fiscalização e sejam mais rigorosos quando se depararem com situações contrárias à legislação’.

“Creio que o pedido do Ministério Público para impor multa de R$ 10 mil para o veículo que deixar o estabelecimento comercial da apelada (Syngenta) com excesso de carga de nada adiantará, em termos de eficácia, se não houver ampliação, estruturação e maior rigor na fiscalização a cargo dos órgãos competentes”, alerta a relatora.

“A ação civil não foi ajuizada contra a Administração Pública para que ela cumpra o seu dever de fiscalizar. Ao reverso, foi proposta contra empresa particular para que ela deixe de fazer o que já está impedida de fazer por lei. Em outras palavras, num paralelo pouco convencional, seria o mesmo que ajuizar uma ação civil para impor multa para que o traficante de drogas deixe de comercializar entorpecentes, ao invés de a Administração Pública reforçar a atuação policial para reprimir a conduta”, completou Cecília.

Danos materiais

A relatora também não atendeu ao pedido do Ministério Público Federal de condenar a empresa ao pagamento de danos materiais, já que ‘não ficou demonstrado que os caminhões da Syngenta tenham efetivamente causado dano às rodovias por onde transitam e foram autuados’.

“Não há nos autos judiciais e nem nos do inquérito civil uma única prova referente, nem mesmo uma fotografia, a dano provocado na pista de rolamento de estrada federal por parte de caminhões da apelada”, concluiu.

Cecília Marcondes explicou que os danos materiais ‘devem ser certos, determinados e atuais’, e que ‘meras expectativas e probabilidades não são indenizáveis’.

Danos morais

Com relação aos danos morais, contudo, a conclusão da desembargadora federal foi diferente.
Ela ressaltou que se caracteriza o dano moral coletivo no caso de lesão a valores morais de uma comunidade, ‘isto é, quando ocorre lesão a interesses ou direitos titularizados pela coletividade’.

Citando entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a desembargadora pontuou que a condenação por dano moral coletivo ‘deve ser imposta somente aos atos ilícitos de razoável relevância e que acarretem verdadeiros sofrimentos a toda coletividade, pois do contrário estar-se-ia impondo mais um custo às sociedades empresárias’.

No caso de circulação de caminhões com excesso de peso, o voto vencedor concluiu que ‘o grande lesado, além da administração ludibriada, é a coletividade de usuários que trafegam pela rodovia, em sua grande maioria formada por veículos de menor porte que os caminhões da empresa apelada’.

“Não há dúvidas de que o tráfego de veículos com excesso de peso aumenta o risco de acidentes, risco este que atinge um número indeterminado de pessoas. O perigo que um caminhão com excesso de carga representa para os demais usuários é real e sério”, observou a relatora.

Ela destacou que o excesso de carga compromete a capacidade de frenagem do caminhão – em decorrência do superaquecimento do sistema e do aumento de distância de parada –, reduz a estabilidade – potencializando o risco de tombamentos –, provoca desgaste acentuado de pneus e afeta a eficiência do sistema de suspensão.

“A conduta da apelada de permitir a saída de seus estabelecimentos de veículos com excesso de carga coloca em risco a coletividade, formada pelos demais usuários de veículos menores que se encontram em situação de vulnerabilidade. Basta lembrar que em caso de colisão ou tombamento, por exemplo, certamente as lesões mais graves serão suportadas pelos condutores e/ou passageiros dos veículos menores, que nada podem fazer contra os excessos praticados pela apelada”, ressaltou Cecília Marcondes.

A magistrada concluiu que ‘a prática abusiva da empresa, violadora das normas de trânsito, objetiva apenas maximizar os lucros, mesmo que, ao assim agir, coloque em risco a segurança dos demais usuários das estradas’. Para ela, a conduta ‘configura o dano moral indenizável’.

Quanto ao valor da indenização, a desembargadora federal destacou que a Syngenta é uma empresa global, com sede na Suíça e presente em aproximadamente 90 países, líder mundial no setor do agronegócio.

“Com elevado grau de certeza é possível dizer que a apelada não ousa desafiar a lei de seu país sede como tem feito por aqui, de forma reiterada”, registrou a relatora, arbitrando os danos morais coletivos em R$ 10 milhões, que deverão ser destinados ao Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos.