Januária, Bonito de Minas, Chapada Gaúcha e Japonvar – O progresso e a promessa de uma vida melhor chegam em carros e motos. Andar a pé ou a cavalo,  como faziam o jagunço Riobaldo Tatarana e seus companheiros em Grande sertão: veredas, são costumes que vão ficando no passado.

A nova vida pede passagem. Estradas riscam o sertão, encurtam distâncias e dinamizam o comércio. Mas, construídas sem os devidos cuidados, atropelam veredas no trajeto rosiano no Norte e Noroeste de Minas e impõem danos aos cursos d’água, aprofundados pelo carvoejamento e plantios de eucalipto. Este é o tema da terceira parte da série de reportagens sobre as veredas que o Estado de Minas publica desde domingo.
“Muitas estradas atravessaram as veredas. O aterro delas acabou se transformando numa espécie de barramento, impedindo o fluxo da água, com uma parte da vereda ficando seca. Além disso, as estradas provocam o carreamento de sedimentos da superfície do solo para as partes baixas, gerando o assoreamento das nascentes”, afirma Luiz César Versiani, mestre em engenharia ambiental e integrante do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG).

Ele salienta que as veredas e as nascentes são altamente prejudicadas pela abertura de estradas vicinais, de responsabilidade dos municípios. “Muitas estradas vicinais são abertas ou reformadas sem um acompanhamento técnico, de forma amadora, apenas sob o comando de um operador de máquinas. Esta é uma questão séria que deveria ser observada pelos gestores municipais, afirma o conselheiro do Crea.

Além dos traçados inapropriados, as veredas sofrem ainda com a abertura de estradas para a retirada de água de seu interior, usada em atividades como a produção de carvão. “O terreno desses locais é arenoso e as estradas são construídas sem nenhuma medida de proteção, o que acaba provocando o assoreamento das veredas”, relata Carlos Aparecido Ferroni, analista ambiental do Instituto Estadual de Florestas (IEF) em Urucuia.

Não somente obras de trechos vicinais, mas também rodovias federais e estaduais provocaram danos nas veredas, afirma o ambientalista Eduardo Gomes, do Instituto Grande Sertão (IGS), de Montes Claros. “Hoje já existe uma legislação específica que trata do licenciamento para obras onde há veredas. Mas até 20 anos atrás, as estradas eram abertas sem nenhum licenciamento e causaram danos que permanecem sem reparação”, assegura Gomes.

Entre os impactos recorrentes, ele cita o barramento no meio de veredas em função do aterro feito para sustentar as pistas das rodovias. “Em alguns lugares, foram implantadas galerias para a passagem da água debaixo do aterro, mas foram poucas”, afirma.

A reportagem do EM viu de perto os impactos ambientais na Vereda Maria Crioula, no município de Bonito de Minas. Completamente seca, ela é cortada pela estrada pavimentada que liga Januária ao município. “Aqui havia muita água mas secou tudo”, diz Valdeci Pereira Costa, de 51 anos, morador da região.

Ele acredita que a construção da estrada tenha contribuído para o fim da vereda, onde a reportagem também constatou outras formas de degradação, como vestígios de cultivo de horta em um antigo brejo e o pisoteio de animais perto dos buritis, que ainda resistem no local.

Na comunidade de Cabeceira do Mangaí, uma vereda onde passa a BR 135 desapareceu. O pequeno agricultor Ferreira da Silva, de 65, recorda que nos seus tempos de criança o local tinha água em abundância:

“Era muita água mesmo”. Segundo ele, depois da construção da estrada, há 30 anos, o recurso hídrico começou a diminuir, até acabar de vez. Também desapareceram os buritis.

A água que usa no consumo de sua família e para manter os animais é captada em um poço tubular a três quilômetros de distância. Outro antigo morador de Cabeceira do Mangaí, Geraldo Veloso do Carmo, lamenta ter que recorrer a uma cisterna. “Foi a única alternativa que restou”. “Ouvi dizer que na Bíblia está escrito que nos fim dos tempos faltaria água”, diz, temeroso.

CARVÃO Na região de Urucuia, a produção de carvão causou enormes danos às veredas. “Esta parte do estado foi uma área de desbravamento até pouco tempo. Pessoas de outras regiões vieram para cá e desmataram o cerrado para atividades agrícolas, usando a madeira para fazer carvão. Os impactos do desmatamento foram muito grandes, especialmente para as nascentes e rios”, afirma Carlos Aparecido Ferroni, técnico do escritório do IEF em Urucuia.

O auge da produção de carvão foi entre 1980 e 2008. A partir daí, a Lei Florestal passou a ser mais rigorosa e a atividade diminuiu.  “Muitos produtores abandonaram os fornos, mas deixaram para sempre os impactos ambientais”, comenta Ferroni.

Agonia em série

Nesta série de reportagem, o Estado de Minas percorreu 2,1 mil quilômetros em 11 cidades do trajeto rosiano para mostrar a situação das veredas. No domingo, foi abordado o impacto da degradação dos oásis do cerrado, provocada especialmente pelos incêndios criminosos, sobre as nascentes e rios. Na edição de ontem, o EM contou o drama das famílias e pequenos produtores afetadas pelo secamento das veredas.

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